Desafio de escrita dos pássaros #3 - Uma aventura que me marcou
No tema #2 falei no nascimento do meu filhote e não me querendo repetir, falarei de viagens.
Em finais de 2017 estive na Índia.
Falei com o meu antecessor de 2016 que me relatou uma experiência de quase-morte: esteve no hospital durante cerca de duas semanas. Apesar do receio e de me dizer que jamais voltaria àqueles lados, incentivou-me a aceitar. Aceitei. Recuei. Recusei. Voltei a aceitar. Pedi mais uma semana para pensar. E por fim aceitei.
Não me preocupavam apenas as questões de saúde. Mais do que essas, seria a primeira vez que eu me deslocava sozinha como chefe de missão. Uma mulher, sozinha, europeia, a chegar à Ásia e a dizer àqueles homens todos como iríamos trabalhar durante uma semana. Confesso que tinha uma ideia distorcida da Índia. Acabei por ser muito bem recebida, respeitada, e os debriefings matinais onde eu estipulava quem faria o quê eram um dos momentos mais aguardados do dia.
O primeiro dia foi de burocracias. Estabelecer listas, definir prioridades, concretizar objectivos. Eu, a única mulher na sala. Mulher de metroemeio, algumas vezes tinha de me semi-levantar para chegar a um papel mais ao meio da mesa. Na terceira ou quarta vez, o meu olhar periférico começou a segredar-me ao ouvido:
- Eles levantam-se de cada vez que tu te levantas?
Refiz o gesto, ao recuperar um papel na mesa. Confere. Levantaram-se todos. Ok, só por via das dúvidas, mais uma vez. Pois, levantaram-se outra vez. Certo, tenho de reduzir o número de vezes que me levanto.
Trabalhávamos afincadamente e ao final da tarde, turistávamos pela cidade.
Vivi a riqueza extrema num jantar numa embaixada a convite de um proeminente político e onde havia de TUDO. Passei junto à pobreza extrema, daquela de ficar com lágrimas nos olhos, em locais tão sujos e degradados que dificilmente se imaginaria um lar.
Mas o que mais me marcou foi a alegria do povo. Apesar das dificuldades, apesar de tudo, têm a alma cheia de luz. E foi nesta viagem que pensei pela primeira vez em que momento, nós europeus, passámos a desviar-nos comportamentalmente do que é aceitável? De onde nos vem esta insaciabilidade que nos faz procurar ter mais e mais e nos conduz à infelicidade e à depressão?
Esta foi a viagem que mais me marcou. Tenho outras já realizadas, outras virão, mas se tivesse de definir 2017, seria com este sentimento: banho de realidade.