Bofetada de realidade
Quando estava em Roma, li as gordas das notícias. Que a girafa do Zoo tinha morrido. Pensei que fora de velhice. Santa ignorância. Claro que não tinha sido de velhice. Morreu porque um idiota qualquer resolveu que estava acima da lei e que portanto podia fazer o que lhe apetecia. Odeio viver no mesmo mundo destas pessoas!
E depois, uns dias mais tarde, soube que ia ao Parlamento a questão da Eutanásia.
Quase 300 pessoas decidiram por todos aqueles que sofrem.
Eutanásia, ao contrário do que foi divulgado, não se trata de matar, trata-se de proporcionar uma morte digna, de uma morte assistida, de permitir a quem não tem alternativa, o poder da escolha se vai morrer agonizando ou se vai antecipar o momento de uma forma pacífica. Se se vai finalmente libertar de toda aquela dor e daquele corpo.
E não é uma daquelas questões fracturantes de esquerda ou de direita. Ou pelo menos não devia...
E já não vou falar do suicídio, já que este claramente não é ilegal.
Mas quando os cuidados paliativos já não chegam, porque continuar enjaulado na dor? Ou preso num corpo paralisado? Palpita-me que toda essa gente que defendeu tão entusiasticamente o não à Eutanásia, se se encontrasse nessa situação, mudaria de opinião. Ou se tivesse um familiar a sofrer. Porque os ideais e a realidade são coisas tão, mas tão diferentes.
Os cartazes que fui vendo por aí entristeceram-me. Mostram ignorância.
Não matem os velhinhos. Eu quero viver. Eu quero sentir-me segura quando vou a um hospital.
Se queres viver, claro que não vais pedir a morte medicamente assistida. Nem se vai começar a matar os velhinhos todos. Nem se corre o risco de ir ao hospital e ser vítima de eutanásia. A sério que estavam a falar a sério????
Eu já vivi de perto uma situação dessas. Em que a dor era insuportável. Em que a dose de morfina legalmente ministrada em Portugal não era suficiente e os médicos nos aconselharam a procurar nos EUA uma maquineta com uma dosagem maior e menos espaçada. Em que os médicos misericordiosamente sugeriram e realizaram o tal acto cuja palavra assusta tanta gente. É um acto de bondade. Quando nada mais há a fazer. Mesmo quando se trata de crianças. Ou especialmente quando se trata de uma criança que toda a sua vida se resumiu a dor.
Eu quero poder saber que, em caso de necessidade, tenho essa possibilidade. Porque todos se deviam imaginar numa situação de confinados a uma cama, ligados a fios vários, algálias e outros apetrechos, escaras assustadoras... À espera da morte ou que a legislação lhe permita decidir que não quer mais aquela agonia.
Não se trata de se vai ser aprovado. É mais de quando vai ser aprovado.
Mas até lá quantas pessoas terão de continuar a sofrer, quantas famílias terão de passar (pela calada) por este processo, quantos médicos arriscarão a sua licença?