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happyness is everywhere

O Povo português é essencialmente cosmopolita. Nunca um verdadeiro Português foi português: foi sempre tudo. FP

happyness is everywhere

Este post custou a ver a luz do dia

Tenho andado a alinhavar este post, e tem-me custado muito porque é um assunto em que vou desdobrando as pregas e as feridas conforme avanço. Por coincidência ontem, todas as notícias falavam da Apav, e do número de vítimas mulheres, homens, crianças e idosos, o que levou a que me decidisse acaba-lo...

 

A minha vida começou no dia em que aos 15 anos, saí de casa dos meus pais para ir estudar na cidade grande.

Ser filha de um pai que vivia para o trabalho e para os copos, chegava a casa sempre zangado com o mundo, se ausentava semanas seguidas e quando voltava, a violência doméstica acontecia dia-sim-dia-sim, fez com que as minhas idas a casa ao fim de semana fossem sempre um castigo. Mas eu dependia financeiramente dele e convenhamos, tinha 15 anos...

Quando me afastei mais fisicamente e fui estudar para uma cidade ainda maior - Lisboa, as visitas passaram a quinzenais até que comecei a trabalhar e a estudar ao mesmo tempo e deixei de ir a casa. Quando escrevi lá em cima que ia descobrindo novas peles conforme fui escrevendo, é isso mesmo, nunca tinha pensado nisso, mas o facto de eu ter saído daquele círculo, pode ter sido visto como abandono pelo resto da minha família, por aqueles que ficaram reféns, mas eu não tinha mesmo estômago para aquilo...

 Lembro-me que quando ouvíamos o carro do pai chegar, todos nós, fosse o que fosse que estivéssemos a fazer, todos nos recolhíamos aos nossos quartos, porque não sabíamos como ele vinha... Isto dá-vos uma ideia da coisa...

 

Quando chegou a minha vez de me tornar adulta e começar a pensar em relacionamentos sérios, sabia o que não queria na minha vida. E tratei de escolher bem as pessoas com quem saía. Talvez por sorte, nunca me cruzei com nenhum homem que pensasse sequer ir por esse caminho. Mas eu também já tinha conquistado uma armadura e penso que os homens sentem isso. As mulheres que não permitiriam tal coisa. Não estou a dizer que a culpa é das mulheres, longe de mim!! Mas é como as crianças: elas sabem até onde podem ir connosco. E quando o interior deles é assim mau, eles sabem reconhecer quem ainda não ganhou essa armadura.

E as mulheres nessa situação vão ganhando peles, umas em cima das outras, até que essas camadas se transformam em coragem e elas dizem basta

 

Para além da história da minha mãe, que eu vivi de perto, posso contar uma das histórias mais marcantes de quando vivia em Lisboa.

Trabalhava numa clínica de fisioterapia que tinha acordo com a cadeia prisional de Tires. Caso não saibam, essa prisão é exclusivamente de mulheres e estas podem ter com elas, até uma determinada idade, os filhos bebés. Existe uma creche dentro da cadeia para que as crianças fiquem durante o dia enquanto as mães trabalham. Por vezes, eu ia fazer cinesiterapa respiratória os miúdos na creche e aí o contacto era restrito. Mas quando eles estavam piores, tinha de me dirigir ao edifício das celas, esperava pela mãe e filho na cantina e era aí que fazia a terapia. Após quase duas semanas a tratar aquele bebé, um dia não me contive e perguntei àquela jovem mãe porque motivo estava ali. E ela contou-me.

Disse que o marido todos os dias ia para a tasca e todos os dias quando chegava a casa, lhe batia até que um deles desmaiasse. Ele da bebedeira ou ela das dores. E ela grávida.

Então um dia, ela pensou: ontem foi o último dia que me bateste, fdp*! Quando terminou as tarefas no quintal, levou a enxada para dentro de casa para se defender com ela. E quando ele chegou, levantou-lhe a mão mas ela defendeu-se e acabou por o matar, tal eram a raiva e a frustração acumuladas.

Acabou acusada de homicídio por ter levado a enxada para dentro de casa - premeditação. Se tivesse utilizado uma cadeira, uma frigideira, etc., poderia ter alegado defesa pessoal. Assim, apanhou uma carrada de anos, o filho nasceu na cadeia, quando atingiu a idade, saiu da cadeia e só voltou a ver a mãe quando ela própria terminou o seu tempo. Já terá saído por esta altura. Mas assim se destrói uma vida... 

 

A vida da minha mãe, apesar de não ter este grau de dramatismo, acabou por não ser fácil. De uma época em que os maridos são para sempre, à dependência económica, aos filhos, vários foram os motivos ao longo das décadas. Hoje vivem juntos ainda, prestes a festejarem 50 anos de casamento. ele bem mais calmo, ela amargurada com a vida que não teve. Triste.

 

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