O dia de hoje
O dia de hoje tem muito significado na minha família.
Isto porque sendo o meu pai alentejano, viveu de perto a ditadura e o combate à mesma.
É recorrente nos jantares e almoços de família o tema desviar para esse período e para o meu pai há sempre lágrimas à mistura. Pelas pessoas que lutaram com ele, pelo que todos conseguiram.
Conta-nos as viagens de comboio de forma clandestina, o saltar a meio da viagem quando tinha de ser, o passar semanas na clandestinidade, tentando levar notícias de um lugar para outro - sempre no sul claro, porque a mobilidade nesses tempos era muito diferente do que é hoje. O meio de transporte era a bicicleta e o comboio que apanhavam em andamento, dormiam ao relento ou nalgum celeiro abandonado. Quando sabiam de alguma casa de simpatizantes na área, a senha era quanto bastava para que a porta fosse aberta. O levar material escondido, os códigos que eram necessários transmitir aos camaradas para que a mensagem chegasse ao destinatário.
Durante a minha adolescência, nunca perdemos as comemorações do 25 Abril e mais emocionante, os pic-nics do 1º de Maio organizados no campo. Eram dias de muita alegria. Claro que sei cantar tudo o que por aí se ouve desse tempo.
Mas o meu pai acabou por ser apanhado porque teve o desplante de fugir com a minha mãe, que era filha de um agente da PIDE. Ela já grávida de mim, quando o avô forneceu a morada e o meu pai foi preso. Foi para Caxias e mais tarde Forte de Peniche e só me conheceria mais tarde, quando eu tinha quase 1 ano de idade. Foram tempos difíceis para a minha mãe.
Entretanto quando o meu pai foi liberto, fugiu para França pois por cá arriscaria nova prisão eminente. Foi ele e uma infinidade de pessoas na altura. Passaram a fronteira a pé, por esses montes e vales até Espanha (aqui normalmente ele já chora copiosamente) e instalou-se em França. A minha mãe juntou-se-lhe da mesma forma comigo ao colo. A passar de braços para braços, quando ela já não aguentava mais. Eu e a mala de cartão. Passada a fronteira, comboio até perto de Paris.
Para além das histórias do meu pai, guardo uma colecção de cerca de 30 postais que o meu pai me escrevia com partes em código, já que a censura fazia o resto, como este em que pede resposta "sim ou não". Podem ver no canto superior direito, o carimbo da censura atestando ter sido controlado.
Para os mais jovens, o 25 de Abril é uma comemoração como outra qualquer, mas há que saber que esta liberdade que hoje têm foi conquistada com sangue, suor e muitas lágrimas, dos que tendo esperança e com um objectivo muito preciso, acreditaram ser possível. Levou o seu tempo, perdeu muitos combatentes, uns para a morte outros para o exílio, mas foi um sonho que se tornou realidade.
Bem-hajam todos os que acreditaram!