Vencer saltando obstáculos
Os meus pais foram emigrantes em França e a minha língua materna é o francês. Aliás só aprendi a falar português quando eles pensaram voltar para Portugal, tinha eu cerca de 10 anos.
Quando ingressei na escola primária, claro que tinha muitas lacunas de português e portanto tinha aulas na 2ª classe mas acompanhava a matemática da 4ªa classe. A professora, da velha guarda, ficava na secretária enquanto limava as unhas (deu-nos muitas dicas ao longo dos anos: - meninas, quando forem crescidas, arranjem as unhas porque uma senhora de unhas mal arranjadas fica mal, mas Nunca-Nunca, cortem as cutículas!), e era eu que corrigia os problemas no quadro.
Ora certo dia levaram-nos para o exterior para actividades físicas e um dos exercícios era colocar os pés dentro da saca e saltar do ponto A até ao ponto B. Eu estava de lado a ver e a professora veio falar comigo e perguntou se eu queria e sabia jogar.
Respondi no meu parco português:
- Não sei (quando o que eu queria dizer era : "não sei se sei").
E foi assim que continuei de lado, só a ver.
Nesse momento percebi a frustração e a importância da língua. Comecei a ler compulsivamente, a fazer ditados e a soletrar e apesar de ser mais fluente em francês (há alturas que só me sai a palavra francesa mas não a sua equivalente na nossa língua), não costumo dar erros.
Quando penso em ultrapassar obstáculos e vencer - e no meio onde me movimento, onde as mulheres são cerca de 5% foi uma luta constante - penso nesse primeiro momento e na importância que teve na forma como me definiu.